sábado, 23 de fevereiro de 2008

Sobre milagres e sonhos

O silêncio da UTI era opressivo. Observando o marido, em busca de um sinal qualquer, um piscar de olhos que trouxesse alguma esperança, ela não conseguia desviar a atenção das gotas que pingavam no cateter. Parecia uma ampulheta. Marcando os minutos cruciais que fariam a diferença entre a vida e a morte.
- Foi uma cirurgia complicada - avisou o médico: - Os próximos noventa minutos serão fundamentais para sabermos se ele vai sobreviver.
Na cabeça dele, toda costurada por fora, o que ia dentro era outra história. Também de noventa minutos. Tarde de sol no Maracanã, as arquibancadas lotadas e divididas entre rubro-negros e botafoguenses. A gritaria ensurdecedora do estádio parou por instantes, com o público boquiaberto assistindo à entrada em campo de seus heróis. Não era para menos. Do lado deles, Garrincha, Nilton Santos, Gerson, Manga, Paulinho Criciúma, Maurício (deslocado para a ponta esquerda), o artilheiro Túlio...
Do lado do Flamengo, um time de garotos. Um time inteiro vindo direto das divisões de base, incapaz de resistir um minuto que fosse diante da galeria de craques eternos do Botafogo que desfilava no gramado num milagre que só os delírios de um torcedor em coma poderiam explicar. Mas, ao lado dos meninos assustados, um craque só. Com a camisa dez mítica, mágica. Um jogador, mas na verdade o exército de um homem só: Zico.
Ela levantou a cabeça assustada quando o monitor cardíaco começou a apitar. A equipe médica entrou correndo e ela teve de sair da sala enquanto o desfibrilador era usado em mais uma tentativa de milagre moderno. Na cabeça do paciente, o Botafogo avançava com força. Garrincha deixou o menino lateral-esquerdo do Flamengo sentado com um drible e partiu furioso em direção à linha de fundo. Mais dois dribles no cabeça-de-área e um cruzamento perfeito para Túlio fulminar de cabeça. Os médicos insistiram em mais um choque e o coração dele começou a dar sinais de que talvez ainda não fosse o fim. A cabeçada de Túlio foi magistral, mas o goleiro pulou para o que seria o primeiro de muitos milagres naquela tarde no Maracanã e na vida. Escanteio.
Ao lado da cama, os médicos lutavam com tudo o que tinham para manter o coração funcionando e o cérebro oxigenado. No Maracanã imaginário, o goleiro do Flamengo seguia fazendo milagres enquanto Gerson, Garrincha, Didi e Túlio acuavam a combalida defesa rubro-negra. Foram noventa minutos que duraram uma eternidade para uns e passaram rápido como um relâmpago para outros. Já extenuados, os médicos finalmente pararam e esperaram. No jogo do século, o zagueiro do Flamengo rebateu uma bola de qualquer maneira para Zico, que dominou e tirou o mestre Nilton Santos da jogada com um drible de corpo. O Maracanã parou em suspense quando o craque, mesmo com o joelho combalido, arrancou, driblou mais dois defensores e percebeu Manga saindo desesperado. Quarenta e seis do segundo tempo. Bola por cobertura.
Abriu os olhos devagar e a primeira visão que teve foi a esposa, que ensaiou um sorriso em meio às lágrimas. Ouviu em seguida o barulho dos fogos. Só tempos depois foi saber o motivo da alegria que explodiu naquela tarde carioca. Tarde de milagres, de Taça Guanabara e de título. Um a zero. Gol de Obina.

2 comentários:

Vitor Menezes disse...

Postei no urgente! Uma proposta para funcionamento da nossa rede de blogs. Quando puder, dá uma passada lá pra dar a sua opinião... Abração!

Blog Vitor Longo disse...

Caro amigos do Mumunha, ser FLAMENGO é a melhor coisa do mundo. É só alegria!!!